Uma pesquisa realizada recentemente no Brasil pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) e publicada com o nome de Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia do Covid-19 no Brasil, apontou um dado cruel. Mais da metade dos lares no Brasil convivem com alguma insegurança alimentar pelos menos nos três meses anteriores à coleta de dados, que ocorreu em dezembro de 2020, no contexto da pandemia.
Um universo de 116,8 milhões de pessoas, ou seja, 55,2% da população, vive um contexto de insegurança alimentar desde o ano passado, que é caracterizado por falta de acesso pleno e permanente a alimentos. Desses, 9% já vivenciam insegurança alimentar grave, o que representa 19 milhões de brasileiros passando fome.
É sabido que o problema da fome no Brasil não é novo, trata-se de um problema histórico, que fora enfrentado com seriedade especialmente entre os anos de 2004 e 2013 com programas de governo como o Fome Zero e demais políticas públicas de combate à pobreza e miséria. Avanços puderam ser observados nesse período.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2004, 2009 e 2013, demonstrou uma considerável redução da insegurança alimentar em todo o país, onde esses números marcaram 4,2% da população vivendo a realidade dura da fome. O nível mais baixo até então já registrado no Brasil, fruto de uma grande conquista para toda a nação, fazendo com que o Brasil fosse retirado do Mapa da Fome pela Organização das Nações Unidas.
Porém, os últimos 2 anos os números da miséria vêm crescendo exponencialmente. Apenas nesse curto período de 2 anos o número saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. As regiões Norte e Nordeste seguem sendo as que apresentam índices mais elevados. O Nordeste, infelizmente, lidera o ranking da fome, com 7,7 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave.
Os números da pesquisa ainda revelam que a fome tem gênero, cor e grau de escolaridade. Nos dados de 2020, em 11% dos domicílios chefiados por mulheres os indivíduos pertencentes àquele grupo estavam passando fome, contra 7,7% quando a pessoa de referência era um homem. Dos lares com pessoas pretas e pardas, a fome estava presente em 10,7%. Entre pessoas de cor branca o percentual foi de 7,5%. A fome era realidade em 14,7% dos lares em que a pessoa de referência não possuía escolaridade ou tinham apenas o Ensino Fundamental incompleto.
Tais dados são assustadores e revelam descaso das autoridades com esse problema secular, de desigualdades, fome, miséria, abandono. O contexto da pandemia, com suas medidas de restrições, isolamentos, suspensões de contratos de trabalho, redução de pagamento, ausência de oferta de emprego digno e demais infortúnios corroboraram para o aumento desses números da morte.
Porém, impende destacar que não foram somente os mais pobres que foram impactados pela insegurança alimentar durante a pandemia. Uma comparação feita com os dados do IBGE de 2018, apenas dois anos depois, em 2020, a proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar leve quase dobrou, passando de 20,7% para 34,7%, mostrando que a classe média também foi atingida pelos efeitos da pandemia.
Mais do que arrecadar alimentos não perecíveis, cestas básicas, que são atitudes louváveis, emergentes e extremamente necessárias, é fundamental a criação de políticas públicas de geração de emprego e renda, o que deixou de ser prioridade há um tempo no Brasil, e o que foi, em verdade, ainda mais precarizado no contexto da pandemia.