O Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou, por unanimidade, a criação do Protocolo de Escuta Especializada de Crianças e Adolescentes em ações de família nas quais se discute alienação parental. A decisão foi tomada na última terça-feira (17), durante a 4.ª Sessão Extraordinária de 2024 do órgão.
O protocolo é resultado do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Presidência CNJ 359/2022, destinado à elaboração de diretrizes para a escuta especializada e o depoimento especial nesses casos. O grupo foi formado por representantes do CNJ, juízes de primeiro e segundo grau da Justiça estadual, defensores públicos, advogados, assessores jurídicos, assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais, encabeçados pela ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Entidades civis, acadêmicos, instituições dedicadas às questões de direito de família e de crianças puderam contribuir com a elaboração do protocolo por meio de debates e sugestões.
Coordenador adjunto do GT e relator da matéria, o conselheiro João Paulo Schoucair afirmou que as orientações apresentadas à comunidade jurídica contribuem para que o Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente seja concretizado, “especialmente no âmbito dos litígios que tomam lugar nas varas de Família, em que a titularização dos polos da ação pelos adultos pode invisibilizar o real sentido de proteção da criança ou do adolescente envolvido”, completou.
Segundo Schoucair, o compromisso das diretrizes é fornecer elementos seguros, científicos e humanitários para amparar autoridades judiciárias e auxiliares da Justiça na missão de reconhecer e garantir a crianças e adolescentes a condição de sujeito de direitos.
Entre as recomendações do texto, está a sugestão de que pais ou cuidadores não estejam presentes na sala de audiência, para que a criança não fique constrangida e possa fazer seu relato de forma mais independente. Também é sugerido que os profissionais estimulem os jovens a falarem sobre suas experiências familiares a partir de questões abertas e que sejam abordadas questões positivas ou neutras, além dos pedidos de esclarecimento sobre situações específicas.
Outro ponto abordado no normativo é a importância de se analisar com cautela se a criança ou o adolescente manifesta preferência por um cuidador devido a um possível medo que sente em relação ao outro, se culpa algum dos cuidadores pelo divórcio ou por ter abandonado a família, ou se percebe algum dos cuidadores como fragilizado.
“É importante ficar atento quando a criança expressar uma forte preferência por um dos cuidadores e fizer somente reclamações sobre o outro. Esse tipo de polarização pode ser indicativo de atos de alienação parental ou bullying parental ou distanciamento realista, que ocorre quando existe uma justificativa real para a criança rejeitar o contato ou a convivência com um dos cuidadores”, registra o documento.
Alienação parental
A assessora jurídica Bruna Barbieri Waquim, educadora parental e membro do Grupo de Estudo e Trabalho sobre Alienação Parental do IBDFAM, vê com bons olhos a iniciativa do CNJ de agregar conhecimento jurídico e científico interdisciplinar para orientar os profissionais do Direito e áreas afins na condução dos momentos de escuta protegida da pessoa em desenvolvimento.
“Apesar de termos muitas normas legais explicando o que fazer, carecemos de normas específicas sobre ‘como fazer’. O Protocolo preenche essa lacuna ao trazer indicativos seguros e claros sobre como melhor proceder essa oitiva”, afirma.
De acordo com a assessora jurídica, o Grupo de Trabalho instituído pela Portaria 359/2022 do CNJ teve como preocupações primordiais “resguardar o direito das crianças e adolescentes de serem ouvidos nas ações de família, e como fazer isso de forma respeitosa à sua condição de sujeitos de direitos e pessoa em desenvolvimento, inseridos em cenários de alta litigiosidade”.
O Grupo de Trabalho, acrescenta Bruna Barbieri, foi pautado pela necessidade de garantir proteção à criança ou adolescente que, muitas vezes, encontra-se no epicentro das disputas familiares dos adultos e pode ser por eles manipulada ou influenciada, causando-lhes sofrimento psicológico.
“A ótica das Varas de Família ainda é muito adultocêntrica, com o foco na solução dos conflitos dos adultos. O Protocolo vem reposicionar esse foco para uma visão infantocêntrica, tornando o melhor interesse dessa criança ou adolescente o objetivo principal da intervenção jurídica – ainda que desagrade aos adultos que titularizam os pólos da ação”, explica.
O objetivo, segundo Bruna, não é aprisionar os profissionais a um roteiro fechado, mas sim fornecer um caminho que possa melhor instruí-los em prol da proteção das pessoas em desenvolvimento. “Isso traz a necessidade de capacitação contínua não só das equipes multidisciplinares, como também das autoridades judiciárias e das autoridades do Ministério Público, da Defensoria e da advocacia, para que todos possam contribuir positivamente para a aplicação do Protocolo e seu aperfeiçoamento a partir da experiência que o cotidiano forense traz.”
Inovação
Bruna Barbieri Waquim explica que o documento é dividido em cinco capítulos principais, que abordam:
violações de direitos das crianças e dos adolescentes nas situações de conflitos hostis em processos de família, trazendo abalizada literatura especializada sobre os diferentes fenômenos que podem ser verificados nessas situações;
parâmetros de cumprimento do princípio da oitiva obrigatória e participação nos processos de família, a partir do diálogo entre a tábua axiológica do ECA e as regras procedimentais das ações de família;
diretrizes gerais para a oitiva de crianças e adolescentes;
diretrizes específicas para atuação em procedimentos de oitiva de crianças e adolescentes em processos de família;
indicação de roteiro para a oitiva de crianças e adolescentes no processo de família.
Ela acredita que o protocolo é um documento inovador e paradigmático, que insere a observância do direito da criança e do adolescente para além do lócus das varas de infância.
“Sugerimos a leitura atenta do Protocolo, para que toda a comunidade jurídica e interdisciplinar possam ser parceiras no objetivo de aperfeiçoamento contínuo do Protocolo, que é mais uma ferramenta do macrossistema de Proteção Integral”, conclui a especialista.
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do CNJ)