No mês de março, a coluna A Internacionalista entrevista Francesco Ajello, italiano, nascido em Palermo, formado em direito na Università degli studi di Palermo. Ministra as disciplinas de Organizzazione aziendale e Cultura civica em cursos profissionalizantes, na Itália. Consigliere parlamentare concursado na Assemblea regionale siciliana (Câmara Legislativa da Sicília) até 2005, além de atuar por vários anos no departamento Studi giuridici. Debruça seus estudos sobre direito eleitoral e sistemas políticos. Chefe (burocrático não político) de várias comissões parlamentares e departamentos, dentre as quais a comissão Bilancio (Orçamento público e finanças) e departamento Bilancio ( monitoramento orçamento da Região e analisi impacto econômico e custos dos projetos de lei). Atualmente é sócio de uma escola de direito para preparação de concursos públicos italianos.
A internacionalista: Assim como o Brasil, o sistema italiano também é bicameral. Entretanto, por que o Primeiro-Ministro Italiano possui mandado, em média, de apenas 13 meses?
Francesco: Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para colaborar com esta coluna.
Entendo que, observando de longe, parece singular que o sistema bicameral possa determinar resultados tão diferentes do ponto de vista da duração dos governos. Lembro, em setembro 2019, em um interessante artigo da BBC Mundo que afirmava: “Por que os governos duram em média apenas 13 meses na Itália”.
Desde a proclamação da República Italiana em 1946, são 67 os governos sucedidos até hoje, com 30 diferentes chefes de governo (Presidente del Consiglio).
O governo mais longo foi o segundo governo do Berlusconi, que totalizaram 1.412 dias (no período de junho de 2001 a abril de 2005 ) e o mais breve foi o primeiro governo Forlani, que totalizou 22 dias (de janeiro a fevereiro de 1954).
Um recente estudo (Policy Brief b. 9 della Luiss School of Government publicado pelo CISE Centro italiano di studi elettorali) analisando as causas da crise do penúltimo governo, ressalta, entre outros, que no período 1945 a 2020, a duração média dos governos italianos foi de 0,97 anos, enquanto no Reino Unido foi de 2,52 anos e na Alemanha de 3 anos.
Sem dúvidas, na Itália, a forma de governo Parlamentar, o sistema eleitoral (apesar das várias modificações), a fragmentação partidária e os regulamentos parlamentares (da Câmara dos Deputados e do Senado) foram e ainda são as concausas da instabilidade dos governos, que caracterizou a história institucional do meu País.
A primeira e mais importante motivação depende, obviamente, das diferentes formas de governo: Presidencial no Brasil, Parlamentar na Itália.
No Brasil, o Presidente da República é chefe do Estado e do Governo; as eleições presidenciais são diretas, com candidatos a presidente e vice-presidente concorrendo em uma única chapa, não necessariamente pertencentes ao mesmo partido.
Na Itália, a forma de governo é parlamentar. O Presidente da República é eleito pelo Parlamento (Camera dei deputati e Senato della Repubblica). O Presidente da República nomeia o Premiê (Presidente del consiglio dei Ministri) e os ministros (Ministri).
O Governo, nomeado pelo Presidente da República, deve apresentar um programa para obter o apoio (fiducia) da Câmara dos deputados e do Senado; ou seja a maioria dos deputados e a maioria dos senadores tem que concordar com o programa e votar o apoio ao governo.
Como se pode deduzir, a vida política dos governos italianos é intimamente ligada à do Parlamento e aos partidos. Se, sucessivamente, este apoio não existe mais, abre-se uma crise de governo. A maioria das vezes, as demissões do Premiê são resultado de uma crise política entre os aliados que apoiam o governo (crises extraparlamentares). Mesmo na ausência de um explícito voto contrário, o Premiê, de fato, entende que o governo não tem mais o apoio politico da maioria dos deputados ou dos senadores faltando a governabilidade e a chance de aprovar as propostas e realizar o programa do governo.
As crises parlamentares surgem, pelo contrário, com uma votação explícita formal. A Constituição Italiana prevê hipóteses nas quais um voto contrário determina a queda do governo em carga já que verificam que o governo não tem mais o apoio da maioria dos parlamentares.
Na história da República Italiana, todas as crises de governo foram de tipo extraparlamentar, exceto aquelas que afetaram os dois governos do Premiê Romano Prodi, que, em ambos os casos, pediram o voto explícito do Parlamento. A queda do primeiro governo Prodi, em 1998, e a do segundo governo Prodi, em 2008, foram determinadas, respectivamente, pelo voto contrário da maioria da Câmara dos Deputados e do Senado da República.
Como resumiu o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Kai Enno Leheman, na Italia “o premiê so é premié pelo apoio que tem no Parlamento”.
Εm consequência de uma crise, o Presidente da República pode nomear um novo Premiè (que algumas vezes é o mesmo do governo anterior) ou, se não se encontrar acordo entre os partidos para a formação de uma nova coligação, assinar o decreto de dissolução antecipada do Parlamento. O perfil de garantia do Presidente da República e o poder do Parlamento sobre o governo tornaram os executivos italianos suscetíveis às maiorias parlamentares.
É necessário frisar que, desde 1999, a Constituição Italiana prevê uma forma diferente de governo nas regiões e municípios. Os Prefeitos e Governadores são eleitos diretamente pelos cidadãos e aplica-se o princípio simul stabunt simul cadent. Em caso de moção¹ de desconfiança, falecimento ou renúncia do governador ou do prefeito, procede-se também à novas eleições para os respectivos conselhos regionais e municipais. Sem dúvida, este sistema garante uma maior estabilidade do governo nas regiões e nos municípios, mas diminuiu o poder das assembleias .
O sistema eleitoral, na minha opinião, é um outro elemento muito importante para os efeitos da atual forma de governo, pois influencia, sem dúvida, a estrutura partidária e os critérios de representação política. A relação entre sistema eleitoral, sistema partidário e forma de governo é de interdependência e de influência mútua: o sistema eleitoral não pode moldar automaticamente os efeitos duma forma de governo, porém pode ser um dos elementos úteis (mas não exclusivo) para a estabilidade, se e na medida em que contribui para simplificar e consolidar o sistema partidário.
Νο início da época republicana e por quase quatro décadas o sistema eleitoral foi proporcional puro. A opção inicial pelo método eleitoral proporcional não apenas decorreu das escolhas da Constituição "formal", mas também representou um elemento essencial da Constituição "material". De fato, era comum nas forças políticas e sociais a opinião de que esse método eleitoral fosse melhor do que qualquer outro para representar a situação política italiana, bem como para impedir através das eleições a conquista de posições de alguma forma dominantes. Lembramos que era o período da Guerra-fria e que o partido comunista italiano era entre o mais fortes da Europa Ocidental. Nesta época não houve alternância entre os partidos: nem o Partido Comunista Italiano nem os partidos de extrema direita podiam governar.
Durante àquele período, a maioria dos governos foi liderada pelo partido centrista Democracia Cristã (DC), com o apoio de outros 4 ou 5 partidos menores. Ao longo desses anos, o Democracia Cristã teve até nove correntes adversárias dentro dele. Portanto, os governos mudaram frequentemente devido a luta entre essas facções ou porque um partido, até minúsculo, deixava de apoiar o governo.
Α constante instabilidade governamental, levou, desde o início da década de 1980 (e especialmente na década de 1990, quando a dissolução do sistema politico tradicional devido a “Operação Mãos limpas” determinou a chamada Segunda República) à sucessão de inúmeras propostas de revisão constitucional e reforma das leis eleitorais. Porém, as primeiras nunca conseguiram alcançar a aprovação definitiva, enquanto as segundas não se mostraram completamente consequentes à realização do propósito.
Em particular, a reforma eleitoral de 1993 introduziu um sistema predominantemente majoritário e, portanto, mais adequado para conseguir a estabilidade, mas com uma "correção" proporcional, que permitia a presença de um grande número de partidos, mesmo os menores, geralmente capazes de influenciar a vida dos executivos. Não obstante, o uso progressivo do sistema majoritário tivesse conseguido, produzir um certa estabilidade, os próprios partidos ao governo decidiram, subitamente modificar as leis eleitorais das Câmaras, voltando a um sistema proporcional, corrigido por um prêmio majoritário e cláusula de barreira.
Desde 2017, está em vigor um sistema eleitoral misto. Em cada Câmara do Parlamento, 37% das vagas são atribuídos com um sistema maioritário uninominal em um único turno, enquanto 61% dos assentos são divididos entre as listas concorrentes por meio de um mecanismo proporcional. A Constituição também estabelece que oito deputados e quatro senadores devem ser escolhidos por cidadãos italianos residentes no exterior.
As várias modificações da lei eleitoral do Parlamento italiano, embora tivessem o objetivo (entre outros) de estabilidade política, não conseguiram o resultado esperado. Na minha opinião, é difícil que unicamente através do sistema eleitoral seja possível conseguir este resultado por dois motivos: em primeiro lugar a lei eleitoral é aprovada pelo Parlamento cujas forças políticas tem sempre um objetivo auto-referencial de salvaguardar as próprias posições; e em segundo lugar, os regulamentos das Câmaras do Parlamento Italiano consentem que um deputado ou um senador, eleito em um partido, faça parte de um diferente grupo parlamentar e a formação de novos grupos parlamentares não coligados a partidos políticos que tinham participado nas eleições. Um sistema eleitoral majoritário pode determinar alianças entre forçaas politicas que, depois das eleições, dividem-se em grupos diferentes.
¹ : Moção é um termo que se usa principalmente no direito parlamentar. É um ato por meio do qual se propõe uma votação para um determinado argumento.
A internacionalista: Na sua opinião, quais fatores estão impactando diretamente o atual cenário político italiano?
Francesco: Acredito que os fatores com maior impacto no atual cenário político italiano são: o COVID, a atual grave crise dos partidos políticos, o primeiro-ministro Draghi e, em último, a guerra na Ucrânia. Lembramos que a Itália foi o primeiro país europeu a enfrentar os efeitos dramáticos da pandemia. O estado de emergência levou à adoção de medidas por parte do Governo que reduziram a esfera normal de decisão do Parlamento.
As demissões do segundo governo do premiê Conte em plena epidemia, determinou uma anomalia: a formação do governo de “Unità nazionale” dirigido pelo Mario Draghi (ex-presidente do Banco Central Europeu, um homem com grande experiência e prestigio internacional especialmente na União Europeia) com a participação de todos os partidos políticos presentes no Parlamento, com exceção do partido de direita Fratelli d’Itália e de um grupo de parlamentares que abandonaram o M5S.
Exemplos de governos com tais características foram raros no passado. O último foi o governo do Primeiro Ministro Monti que em 2011 enfrentou uma situação de grave crise económica .
Apesar da coexistência no governo de partidos extremamente heterogéneos, o prestígio do Primeiro-Ministro Draghi levou à proclamação (não sem protestos) de medidas extremamente drásticas contra o COVID 19.
Em um artigo de 16 de outubro de 2021, o Washington Post, falando das medidas muito rígidas adotadas pelo governo italiano para conter a Covid, ressaltou que, após a introdução das obrigações de vacina e do passaporte vacinal (Green Pass), a Itália entrou em um novo território para as democracias ocidentais. A Itália está em uma nova fase: entender qual nível de controle a sociedade está disposta a aceitar. De fato, embora o governo italiano não quisesse tornar obrigatória a vacinação contra a covid, na verdade a impôs, desde que os não vacinados, sem Green Pass, foram praticamente excluídos de quase todas as atividades diárias. Na minha opinião são medidas que ao limitar a liberdade pessoal são de constitucionalidade duvidosa e o fato que me impressionou foi a opinião favorável quase unânime por parte da imprensa em um país onde há controvérsia e polêmica sobre qualquer assunto.
Outro elemento que caracteriza o momento atual é a profunda crise dos partidos como demonstra a necessidade de escolher um primeiro-ministro técnico e não político, bem como a reeleição de Sergio Mattarella como Presidente da República, devido à incapacidade do parlamento de chegar a um acordo sobre outro candidato (a reeleição do Presidente da República, na Itália, é um acontecimento anômalo sendo que o mandato presidencial dura 7 anos).
Na Itália estamos assistindo uma reversão do equilíbrio dos poderes: enquanto normalmente a vida do governo depende do apoio do Parlamento, neste momento a duração deste último depende da existência do executivo porque em caso de demissões do governo com certeza teriam novas eleições.
A internacionalista: Desde a coalizão formada por Giuseppe Conte com o M5E e da Liga de Matteo Salvini e sua posterior renúncia, como você enxerga a assunção do governo pelo “Super Mario Draghi”,ex-Banco Central, diante da desconfiança política instalada no seio político italiano
Francesco: Para responder à pergunta é necessário recordar brevemente as várias fases políticas da atual legislatura do Parlamento Italiano, cada uma das quais foi caracterizada por coligações totalmente diferentes.
O resultado das eleições políticas de 2018 determinou a extrema dificuldade de formar um governo. De fato, a coligação de centro-direita obteve 37% dos votos, a de centro-esquerda 23% e o M5S (Movimento 5 stelle que se apresentou sem aliados) 32%. A coalizão de centro-direita tinha a maioria dos deputados enquanto o M5S era maior grupo politico, porém ninguém tinha no Parlamento assentos suficientes para formar um governo de forma autónoma. Além do M5S, um outro partido que tinha tido um grande sucesso eleitoral foi a Lega di Salvini (que fazia parte da coligação de centro-direita); apesar de os dois partidos pertencerem a campos diferentes, ambos compartilhavam o espírito de protesto e a hostilidade para com a União Europeia.
Após alguns meses de crise institucional, M5S e Lega formaram um imprevisto governo, com um programa que previa a contenção da imigração, a redução de impostos, a introdução de uma renda mínima, a redução da pensão vitalícia dos ex parlamentares; um advogado, Giuseppe Conte, foi indicado como primeiro-ministro.
Em agosto de 2018, a Liga faz uma jogada arriscada. Sendo em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, deixa o governo e pede novas eleições. O governo Conte renuncia.
Sergio Mattarella, presidente da República, busca as forças políticas do Parlamento para formar uma nova maioria e nasce uma coalizão entre o populista M5S, o Partito Democrata (PD) e os outros partidos de centro-esquerda.
Consequentemente nasce um novo governo, novamente liderado por Giuseppe Conte. Conte, que antes era considerado quase um simples porta-voz dos líderes da Lega e M5S a partir deste momento assume uma importância política autônoma que aumenta durante o periodo da pandemia.
No início de 2021, em meio à crise do Covid, o partido do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi retira o apoio do governo Conte. Abre-se uma crise política e alguns partidos pedem para voltar a votar. Mais uma vez o Presidente da República procura uma solução entre o Parlamento. Como nenhum dos líderes políticos consegue formar um novo governo, ele nomeia Mario Draghi, que dará vida a um governo com o apoio de quase todas as forças do Parlamento. Ο constitucionalista Giovanni Ruggeri titula um artigo (Consulta online 15 febbraio 2021) “O nascimento do governo Draghi, a rendição incondicional da política partidária à política do primeiro-ministro e os novos cenários que se vislumbram para as relações entre este e os ministros”. Na base do governo, é cada vez mais evidente e marcada a profunda crise que aflige os partidos e o sistema que os compõem. Há a algum tempo, uma crise de identidade, estrutura, atividade e papel desenvolvido pelos partidos. O apoio incondicional declarado a Draghi (pelos partidos tanto da antiga maioria como da antiga oposição) além do sentido de responsabilidade, equivale a uma entrega total da política partidária em benefício pleno da política de um homem que não pertence a nenhum partido.
Acredito que a crise dos partidos italianos depende, em alguns casos, de sua identificação com o líder, que muitas vezes reduziu o debate interno. Um fator adicional e talvez mais importante da crise dos partidos são as regras, muitas vezes muito rígidas, da União Europeia e da globalização que exigem a necessária convergência das escolhas governamentais para um sistema cada vez mais globalizado e transnacional tornando supérfluo o habitual papel de mediação política dos partidos. Um sinal, por último, a guerra na Ucrânia viu uma posição compacta da União Europeia que aplicou severas sanções económicas contra a Rússia. Apesar da condenação unânime da invasão, é claro que a Itália enfrentará um período difícil que impõe escolhas estratégicas para substituir o abastecimento de gás da Rússia (que constitui 40% das necessidades nacionais). Tudo isso obviamente terá influências na esfera política e poderá prejudicar a solidez do apoio ao governo.
A internacionalista: Como você avalia os investimentos na educação italiana atualmente?
Francesco: A OCSE, no relatório anual Education at a glance, reassaltou que as despesas da Itália no setor da educação são muito baixas. Com uma despesa de 4,1% do PIB (valore do 2018 último disponível) a Itália fica no grupo dos 10 países que menos investem na educação.
Segundo o último relatório anual do Eurostat (que examina a educação e a pesquisa em relação às despesas públicas nacionais na Europa para todos os setores estratégicos), a Itália aloca sumariamente entre 7,9% e 8% das despesas nacionais para educação e formação primária, secundária e acadêmica. A média de outros países europeus é de cerca de 10%: a Alemanha investe 9,6%, a Grécia 8,3% e a República Tcheca 11,8%. São muito limitados os recursos dedicados a este setor, são poucas as bolsas de estudo oferecidas em nível público, e muitas vezes tem uma decadência estrutural dos edifícios.
A Itália está nos últimos lugares no ranking europeu das despesas relacionadas ao ensino primário (2,9%) e ao ensino universitário (0,6%). Para o ensino primário, a média europeia é de cerca de 3,4%, enquanto para o ensino universitário, que inclui pesquisa, a Bélgica, apesar de seus 17 milhões de habitantes, gasta mais do que o dobro do que a Itália, apesar de ter menos estudantes. O Reino Unido e a Alemanha gastam, em média, quase três vezes mais no ensino superior, respectivamente: 1,5 e 1,7 %. De acordo com o dossiê: geralmente os fundos são destinados a universidades ou institutos já beneficiados no passado, com base nas políticas do FFO (Fundo Ordinário de Financiamento). Este Fundo destina em média 4 bilhões dos 7,78 disponíveis para financiar universidades com base no número de alunos, professores e funcionários. Os 3,78 bilhões restantes são destinados às universidades que alcançam resultados em pesquisa e inovação.
Eu concordo com a revista Técnica della Scuola, que critica esta distribuição, pois exacerba as desigualdades seculares entre as Regiões italianas, quase mercantilizando resultados, qualidade e estatísticas para um setor altamente estratégico.
O Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PNRR; em inglês Recovery and Resilience Plan, abreviado para Recovery Plan ou RRP) é o plano preparado pela Itália para relançar sua economia após a pandemia de COVID-19, a fim de permitir o desenvolvimento verde e digital de o país. A parte da competência do Ministério da Educação prevê 6 reformas e 11 linhas de investimento: este é o programa de intervenções previsto pelo PNRR Italia Domani para a parte da competência do Ministério da Educação.
O programa “Futura - A escola para a Itália de amanhã”, graças a um investimento total de 17,59 bilhões de euros, conecta as várias ações ativadas por meio dos recursos nacionais e europeus. O objetivo é criar um novo sistema educativo, que garanta o direito ao estudo, as competências digitais e as competências necessárias para enfrentar os desafios do futuro, superando todo o tipo de disparidades e combatendo o abandono escolar precoce, a pobreza educativa e as lacunas territoriais.
A internacionalista: Vivendo há poucos meses no Brasil, é possível identificar pontos em comum e divergentes, em relação à Itália?
Francesco: Diria brevemente que o Brasil reproduz, de forma ampliada, e muitas vezes com diferença de tempo, algumas das questões que caracterizam a história e a política italiana.
O nepotismo, uma visão quase feudal do exercício do poder político, a corrupção endêmica dos partidos políticos, os escândalos e a intervenção do judiciário, o protesto dos cidadãos contra tudo e contra todos, são acontecimentos comuns aos dois Países, embora às vezes tenham ocorrido à distância de muitos anos.
No Brasil, o debate político se manifesta de forma mais enfática, quase teatral. Um exemplo foi o voto de impeachment contra Dilma Russef. Naqueles dias, eu estava no hotel onde, ao mesmo tempo, Lula e muitos deputados da oposição estavam hospedados. Pareciam dois times, um ao lado do outro, na véspera de uma final. Lembro-me dos parlamentares incitados por seus apoiadores na recepção do hotel antes de ir votar.
Fiquei muito impressionado com o fato de a votação ter ocorrido no domingo, como se fosse um show a ser oferecido ao vivo para o maior público possível e com as declaração de voto: Uma retórica que fazia mais referência às tradições familiares, à honra pessoal e do estado de origem do que as questões jurídicas em que se baseou o impeachment.
A internacionalista: Como professor* de direito eleitoral, como você avaliaria o atual cenário político brasileiro com as eleições iminentes de 2022?
Francesco: Na Itália, os acontecimentos políticos do Brasil são acompanhados com interesse, devido à notoriedade dos dois players principais: Jair Bolsonaro e Luis Inácio Lula da Silva. “Seja eu candidato ou não” - declarou Lula, recentemente em entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera – “espero a volta de laços mais fortes com a União Europeia”.
Quanto à Bolsonaro, apesar de algumas contestações recebidas durante sua viagem à Itália em novembro de 2021, ele antes tinha sido muito elogiado por seu posicionamento no caso Cesare Battisti, vez que a não extradição de Battisti, durante os precedentes governos, afetou as relações entre Brasil e Itália.
Claramente, ainda tudo pode acontecer, porém na Italia achamos que Lula e Bolsonaro são os candidatos favoritos para um hipotético segundo turno nas próximas eleições presidenciais. No momento eu não acredito muito nos candidatos da chamada "terceira via", os moderados Sergio Moro e João Doria, e o progressista Ciro Gomes.
Lula, além do Partido dos Trabalhadores, está reunindo todas as forças progressistas, os sindicatos e as organizações sociais e está tecendo alianças com governadores, prefeitos e até com ex-rivais políticos como Gerardo Alckmin, que vai apoiá-lo como candidato a vice-presidente. Concordo com quem acha que a aliança com Alckim tem o risco de não trazer votos, porque pode descontentar os eleitores de esquerda mais radicais e não convencer aqueles conservadores.
Além disso, é surpreendente o endorsement dos mercados financeiros, no passado hostil à gestão estatista do ex-líder sindical, mas hoje - segundo o jornal Valor Econômico - apoiadores da sua notoriedade global.
Jair Bolsonaro “expia o pecado” dos problemas cotidianos que um Presidente tem que enfrentar. É acusado pela gestão da crise econômica e da pandemia. Apesar da queda nas pesquisas eleitorais, para vencer contra Lula, ele parece confiar nos históricos argumentos da luta contra a corrupção e da oposição da esquerda. A minha impressão é de uma forte aposta no apoio eleitoral dos atuais parlamentares do "Centro" que está dominando o Parlamento.
Na minha opinião, em outubro serão decisivos: o voto dos moderados; o voto da classe média; os eleitores do Nordeste; os eleitores evangélicos. Com certeza, os dados econômicos terão grande influência na votação, assim como as posições que o Brasil tomará na crise mundial dependente da guerra na Ucrânia.
Espero uma campanha eleitoral progressivamente semelhante a uma guerra sem quartel, com uso massivo das redes sociais e das “armas não convencionais” das fake news. Com certeza, vai se falar cada vez mais dos escândalos que marcaram os governos do Lula. Neste momento, para mim, Lula parece na frente, porém Bolsonaro tem todas as chances para recuperar.
*Utilizamos nessa coluna a concepção brasileira de “professor”.