Enquanto estou sentada, escrevendo a coluna da semana, a Ucrânia é bombardeada pela Rússia, em pleno século XXI. A Rússia, um dos maiores produtores de trigo, gás natural e petróleo do mundo, está, nesse momento, violando o rule of law, tomando Chernobyl, destruindo o aeroporto internacional de Kiev e ameaçando a vida de milhares de civis.
Então, sim, nós falhamos. O Direito Internacional falhou. A ONU falhou. A diplomacia falhou.
Mas, então, por que falhamos? Porque temos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, na Carta da Organização das Nações Unidades – ONU alguns princípios, como solução pacífica de controvérsias, respeito à integridade e soberania territorial, autodeterminação dos povos, segurança coletiva, dentre outros.
E como mecanismos de solução pacífica de controvérsias internacionais, o Direito das Gentes dispõe desde meios diplomáticos a arbitragem internacional, mas mesmo assim, o impasse firmado entre essas duas nações culminou com a invasão e iminente destruição do território ucraniano.
Nesse sentido, utilizando-se a doutrina de Paulo Henrique Gonçalves Portela, pode-se destacar como exemplos de soluções diplomáticas: a negociação (bilateral ou multilateral), a prestação de bons ofícios e a mediação.
Na negociação bilateral, há entendimento direto entre os Estados, sem qualquer intervenção de terceiros. Forma simples e direta de solução. Já nas negociações multilaterais, são realizadas com a assistência de um ou vários Estados terceiros, por meio de conferências, produzindo-se resoluções ou tratados. Nos bons ofícios, há a intervenção de um terceiro Estado ou ator importante, como o Secretário-Geral da ONU, para aproximar os Estados litigantes, proporcionando o diálogo. E na mediação, o mediador tem papel mais ativo na solução, procurando conhecer o motivo do desentendimento, podendo propor as bases da negociação.
Além desses métodos, o Direito Internacional também possui meios políticos, no âmbito de organizações internacionais com a finalidade principal de manutenção da paz. Um exemplo é a Assembleia Geral da ONU e o Conselho de Segurança.
Também existem os meios jurisdicionais de solução de controvérsias internacionais, geralmente fundamentadas no Direito Internacional, produzindo-se uma decisão obrigatória, garantido o direito de defesa e igualdade das partes. A Arbitragem na ordem internacional também é uma forma de solução jurisdicional, com maior flexibilidade do processo.
Por fim, na solução judiciária, as regras processuais são bem definidas, com a constituição prévia de um tribunal e com decisões de força jurídica, como por exemplo, a CIJ - Corte Internacional de Justiça.
Porém, mesmo diante de tantos mecanismos e instrumentos, o uso da força bélica foi inevitável. E tudo isso não é só questão de geopolítica, em razão da Rússia ter anexado a Crimeia em 2014, uma península autônoma no sul da Ucrânia. Também não é só pelo fato da Ucrânia possuir uma imensa malha de gasoduto e que, geograficamente, é passagem para o gás natural russo. Há outras questões históricas e melindrosas por trás: a OTAN.
A OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, criada em 1949 para promover a contenção da União Soviética no pós-guerra, hoje com a participação de 30 nações, vinha recebendo forte interesse da Ucrânia para ingressar. E para Putin, a Ucrânia na OTAN seria uma grave ameaça ao seu poderio.
E quando se fala em poderio, não se pode olvidar que a Ucrânia devolveu à Rússia abriu mão do forte arsenal nuclear que possuía desde o fim da União Soviética, em troca de promessa de segurança da Rússia. Para muitos, pode soar muita ingenuidade ucraniana, mas para quem viveu a tragédia de Chernobyl em 1986, guardar ogivas nucleares em casa não parecia muito seguro.
O que a Ucrânia nos mostra, além de expor sua fragilidade, é uma relação de confiança unilateral. Infelizmente, a recíproca russa não foi, assim, tão verdadeira.
Para o sociólogo francês Raymond Aron, em seu livro Paz e Guerra entre as nações, a dissuasão nuclear pode ser definida como “equilíbrio do terror” quando dois Estados tem poderio nuclear equivalentes. Neste cenário, defende que um primeiro ataque está menos propício a ocorrer, diferentemente da dissuasão mínima, ou seja, quando há grande disparidade de armas nucleares entre os rivais.
Ora, considerando este segundo cenário, se um Estado está mais equipado do que o outro, poderá atacar primeiro para desarmar o mais fraco. E o inverso também é factível, já que, sabendo que seu oponente é mais preparado, o mais fraco por querer atacar primeiro, para não se ver desarmando.
Assim, vale recordar que o Secretário Geral Soviético, Leonid Brezhnev, em 1982, declarou, certa vez, que as armas nucleares deste país só seriam utilizadas em retaliação a um ataque empregado com este tipo de armamento, não sendo a URSS a primeira a usar esse recurso. E aqui entra a importância da OTAN, ao achar contraditório essas promessas em relação ao estoque de ogivas estratégicas que Moscou possuía. Com isso, repetidas vezes, a OTAN é destacada em documentos da URSS como a fonte principal de ameaça à segurança.
Já após a fragmentação da URSS, Vladimir Putin, em 2007, declarou que as intenções da OTAN não eram de aumentar a segurança dos Estados-membros desta organização, mas sim, enfraquecer a Rússia, intensificando esse melindre. Agora, em 2022, Putin se vê encurralado quando sua vizinha manifesta forte interesse em entrar para o bloco.
Vale lembrar, quando o assunto é bélico, que o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN) entrou em vigor em 22 de janeiro de 2021. Esse tratado proíbe o uso, ameaça de uso, desenvolvimento, teste, produção, fabricação, aquisição, posse ou armazenamento de armas nucleares. Também torna ilegal assistir, encorajar ou induzir, de qualquer modo, a realização de qualquer atividade proibida pelo tratado. Países como Estados Unidos, China, Rússia e Reino Unido se comprometeram em coibir qualquer uso de tais vetores.
Agora, nada faz mais sentido do que a frase: quem viver, verá!
Ao fim desta edição, 137 pessoas haviam morrido após a invasão russa à Ucrânia.
Que Deus abençoe a todos!