Se você nunca leu “O diário de Anne Frank” ou nunca buscou conhecer a história da família Frank, provavelmente não sabe onde fica o apartamento da Rua Prinsengracht.
Pois bem, na primeira coluna do ano de 2022, o assunto é sobre SUPORTAR. Talvez esses devaneios dessa colunista não façam muito sentido para você, mas eu espero que alguma coisa possa ser extraída disso tudo. E fomos buscar na história internacional algumas lições.
Então, para começarmos, esse tal apartamento fica em Amsterdã e foi o cenário para que Anne, aos 13 anos, protagonizasse, por dois anos, uma trajetória de luta e resistência. Muito longe de tentar reproduzir o diário nessa coluna - sobre o qual recomendamos a leitura - a intenção, aqui, é tentar extrair as lições que não enxergamos ou que olvidamos com toda nossa insciência.
Em 1942, Anne Frank e sua família vivenciavam sua própria pandemia: a pandemia do holocausto. Um “vírus” disseminado na Alemanha e que logo se espalhava pela Europa. E esse “vírus” tinha uma predileção em suas vítimas: os judeus. E é para eles que devemos olhar agora, principalmente por nós, seres do futuro para Anne, também estarmos enfrentando um tipo de vírus.
Mas você deve estar se perguntando: o que tem a ver o holocausto com a pandemia de Coronavírus no século XXI? Tudo, e eu posso explicar, principalmente quando observamos o que os judeus tiveram que fazer para sobreviver e quão resilientes precisaram ser para suportar todo desespero instalado.
Sabemos que há dois anos, nós (eu, você, nossas famílias, amigos, etc) estamos enfrentando um vírus letal, o qual se denominou de Sars-Cov-2, ou simplesmente Covid-19. E desde março de 2020, somos bombardeados de recomendações para salvar nossas próprias vidas: use máscara, passe álcool nas mãos, não aglomere, tome a vacina. Porém, mesmo assim, avisados com todo respaldo científico, teimamos em não seguir essas sugestões. O resultado? Dados recentes divulgados no site oficial da OMS (Organização Mundial da Saúde), atualizados em 05/01/2022, alerta que já existem 293.750.692 casos confirmados e mais de 5.454.131 de mortes em todo o mundo. Ou seja, se olharmos bem, foram quase 6 milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial e a Covid (que no início preferia os idosos, depois os enfermos e no fim não fez mais critérios) está chegando perto de bater esse número.
A OMS alerta:
Em 26 de novembro de 2021, a OMS designou a variante da COVID-19 B.1.1.529 como uma variante de preocupação denominada Ômicron. Essa variante apresenta um grande número de mutações, algumas das quais preocupantes. As outras variantes de preocupação ainda estão em circulação e são: Alfa, Beta, Gama e Delta.
Dessa forma, quanto mais o vírus da COVID-19 circular, através da movimentação das pessoas, mais oportunidades terá de sofrer mutações. Portanto, a coisa mais importante que as pessoas podem fazer é reduzir o risco de exposição ao vírus e se vacinar contra a COVID-19 (com todas as doses necessárias, segundo o esquema de vacinação), continuar a usar máscaras, manter a higiene das mãos, deixar os ambientes bem ventilados sempre que possível, evitar aglomerações e reduzir ao máximo o contato próximo com muitas pessoas, principalmente em espaços fechados.
Ok! Você deve estar achando um absurdo essa comparação, tendo em vista que o holocausto fora capitaneado por um líder de um país que disseminou o antissemitismo e declarou um verdadeiro “caça às bruxas”. Ou seja, o holocausto fora produto da ação humana, enquanto o vírus Covid-19, até o momento, não se tem 100% de certeza de onde veio. Certo! Você provavelmente está certo, mas não é sobre a ORIGEM que quero falar, mas sim, sobre as consequências da ação humana, ou melhor, omissão humana, quando se está diante de uma ameaça desse quilate.
Voltemos, portanto, à família Frank. Anne, Otto, Margot e Edith tiveram que abandonar seu país para recomeçar na Holanda, na esperança de uma nova vida. Chegando à Holanda, alguns anos depois, foram instados a abandonar seu lar, seus afazeres, seu trabalho e todos os seus amigos para se refugiarem em um apertamento, na verdade, um esconderijo, na Rua Prinsengracht, que ficava escondido dentro da fábrica da Opekta, onde Otto trabalhava. E graças a ajuda de amigos, conseguiram sobreviver por 2 anos.
Logo, os pessimistas devem estar pensando nesse momento: mas, no fim, eles não morreram mesmo?! Com exceção de Otto, o pai, que sobreviveu ao campo de concentração. Aqui eu peço desculpas pelo spoiler a quem nunca leu ou não conhece a história verdadeira. Sim, eles morreram, é fato! Só que, se analisarmos bem, é na TRAVESSIA que nos fazemos fortes e deixamos nosso legado. E assim foi com Anne Frank, que por 2 anos em seu esconderijo, escreveu em seu diário xadrez-vermelho e pôde dividir conosco suas angústias de adolescente e de uma judia perseguida.
Mesmo enclausurada na Prinsengracht, Anne não deixou de viver as agruras de quem tem 13 anos. Seus sonhos, pensamentos e teimosia eram uma constante nas páginas rabiscadas. E é dessas páginas que devemos extrair as maiores lições.
Anne e sua família tiveram que dividir o pouco espaço do apartamento com outra família completamente diferente. Pessoas de gênios opostos, gostos opostos, costumes opostos. E quão de nós não estamos, nesse momento, convivendo com pessoas assim em nosso cotidiano? Assim como o holocausto de Anne, a Covid-19 enclausurou as pessoas por meses em suas casas. E como foi difícil aquele primeiro ano. Para Anne também.
Nossa protagonista aqui nos ensina sobre ressignificar. E ensina sobre amor. Talvez seja mesmo sobre ressignificar o amor. Seu amor deflagrado ao pai pode representar a realidade de muitas pessoas, mas é na resistência à mãe que aprendemos de verdade. Anne não sabia lidar com a própria mãe. E aqui, os gênios diferentes se chocam mesmo dentro do próprio seio familiar. E quem disse que o amor por pai e mãe são automáticos, apenas por terem nos gerado a vida, não sabe muito sobre amor. Amor é construção. Amor é superar os obstáculos. É enfrentar as diferenças e escolher amar. Mesmo não compreendendo a mãe, Anne escolhia amá-la. Diferentemente do pai, cujo amor veio facilmente, de graça.
A convivência com a irmã Margot também vem nos falar sobre inveja ou ciúme. Margot sempre foi a mais celebrada, o que gerava inveja e ciúme em Anne. Mas isso nasce da comparação. Quando nos comparamos com o outro, destruímos nossa autoestima. Anne, que sempre se mostrou confiante e dona de si, tinha em sua irmã, sua criptonita.
E quando falamos que amor é uma escolha, isso se percebe logo com a convivência com Peter van Dan. No início, Anne tinha profunda indiferença por ele. Mas ao longo dos dois anos dividindo o mesmo espaço físico, não por escolha, Anne nos ensina a ressignificar esse sentimento ou essa visão/conceito que mantinha sobre Peter.
E quantos de nós não estão escolhendo ser indiferentes àqueles que nos cercam por algum pré-conceito e não damos a oportunidade para que as pessoas possam mostrar quem, verdadeiramente, elas podem ser?
Mas o mais importante nessa história toda é aprender com Anne sobre “fazer o que tiver de ser feito” para superar as dificuldades: o silêncio decretado ao longo dos dias para que os empregados da fábrica não desconfiassem da sua existência; a espera infinita e paciente pelas refeições doadas pelos poucos amigos; a proibição de ver o sol pela janela ou observar as pessoas na rua para não serem vistos; a resiliência para encarar uma alimentação precária e mesmo assim manter hábitos saudáveis para sobreviver; a esperança mantida mesmo com as paredes estremecendo com os bombardeios...
No fim, Anne fez tudo que podia fazer e foi vencida pelo egoísmo humano, pela maldade pungente do homem e sucumbiu aos 15 anos, mas manteve viva sua memória através das palavras. E hoje, em 2022, isso pode não ressoar alvissareiro para você, se você olhar apenas para o final da história. Mas se olhar bem no meio, para a trajetória, observará que não há nada menos do que CORAGEM nela.
Para a realidade atual, entre tanta polarização da humanidade, há quem não queira usar uma simples máscara! Há quem não queira tomar vacina! E ainda há quem diga: NÃO OLHE PRA CIMA! Quando, a bem da verdade, o que nos extinguirá está bem diante dos nossos olhos.
Não estamos aprendendo com a história!