Eu havia chegado em casa, após mais um dia de trabalho intenso. Sexta-feira. Trânsito massivo, o salto alto deixado num canto, e o desejo por descanso cada vez maior.
Não! Não tinha mais forças para enfrentar o trelar contínuo das panelas e fogo. Rendi-me à facilidade. Prontamente busquei o auxílio do smartphone e assim, após analisar o vasto cardápio, elegi meu favorito da noite.
Blim Blom!
Atendi ao chamado rapidamente. Abri a porta. Ele me cumprimentava educadamente. Conferia meu pedido ao entregar-me a sacola. Nesse momento, não podia deixar de analisar toda aquela cena: fitei-o dos pés à cabeça. Uma roupa simples, um chinelo desgastado, a calça surrada denunciavam o que poderia ser um jeans de baixa qualidade, uma camiseta cinza, sem graça, trazia as marcas do seu dia. A chave da motocicleta balançava sob seu bolso. Ele não parecia ter mais do que 22. Sim! Acredito que tinha mesmo 19! Mas o que ele estava fazendo em plena sexta-feira à noite? Onde estariam seus amigos? Sua família?
A partir daquele momento percebi que não trajava nenhuma farda que o vinculasse ao restaurante em que fiz o pedido. Ele prestava serviço de forma autônoma, volante. Ele e milhões de brasileiros, arriscando suas vidas em cima de duas rodas motorizadas para trazer-me comida. A troco de quê? De um trocado, uma renda.
Cada vez mais, aumenta a procura por oportunidades de alguma fonte de renda, mesmo que para isso, os direitos assegurados pela Consolidação das Leis Trabalhistas não sejam observados. Em um cenário em que a taxa de desemprego cresce vertiginosamente no país, o que acontecerá com as relações laborais? Essa contratação "virtual" de mão-de-obra estaria afrontando os princípios sociais e do trabalho, garantidos constitucionalmente?
De outra banda, o mercado formal conseguiria absorver esses profissionais, a ponto de mudar essa realidade de miserabilidade em que muitos brasileiros estão vivendo? Na minha vã ignorância, não pude hesitar em dispensar algumas horas do meu dia curto para refletir sobre essas situações. Comecei, então, a me questionar se recolhiam, ao menos, contribuição previdenciária? Quem assumiria o risco de um possível acidente? Como conseguiriam chegar à aposentadoria? Como gozariam de férias? Seria, então, o prenúncio de uma grande reforma no mundo laboral?
É válido mencionar que o trabalho humano não é uma mercadoria. Esta afirmação está positivada na Declaração de Filadélfia da Organização Internacional do Trabalho— OIT, logo, se lhe for determinado tratamento distinto do mencionado anteriormente, haverá reificação do ser humano.
Além disso, objetivando a proteção dos trabalhadores de plataformas digitais, por conseguinte, a caracterização da relação de emprego, a Recomendação n.º 198 da OIT, explana a importância da formulação e aplicação de políticas nacionais, e adequação de regulamentos e leis mediante uma determinada realidade laboral. É cabível destacar que, o aplicativo Deliveroo tem como ente responsável a empresa de origem inglesa, Roofoods, àquela, cujo objetivo é a prestação de serviços referentes às entregas de restaurantes aos seus respectivos consumidores. Esta situação ocasionou a condenação da empresa mencionada pela Justiça do Trabalho Espanhola, assim os trabalhadores que utilizavam àquela foram reconhecidos como empregados.
Também, se faz necessário alegar que, com relação ao posicionamento exarado pela Justiça do Trabalho Inglesa, em face à relação de trabalho referente aos empregados de aplicativos de plataforma digital, em específico, o julgado foi referente à Uber, em que foram assegurados os direitos positivados em sua legislação, destarte, não dispondo de recognição referente a defesa de ser uma empresa de tecnologia.
Ademais, a relação trabalhista deverá ser pautada na efetiva garantia dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores, devendo ser ratificada pelos empregadores, não obstante, a comprovação de trabalho autônomo ou vínculo empregatício. Assim, resguardando àqueles direitos aos entregadores de aplicativo e não ocorrendo a objetificação o indivíduo.
De acordo com a Data Lawyer, aplicativos como Rappi, Ifood, Uber Eats e empresas similares têm ganhado na Justiça do Trabalho a maior parte das discussões com os entregadores de aplicativos, que pedem o reconhecimento de vínculo de emprego. Hoje há 935 processos sobre o tema nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
Das 432 ações já julgadas, apenas cinco foram favoráveis aos entregadores e em 172 delas as empresas ganharam. O levantamento mostra ainda que 81 pedidos foram parcialmente aceitos, em 97 foram feitos acordos e houve desistência em 40 desses casos. Os demais foram encerrados por questões processuais – arquivados por ausência do trabalhador, prescritos, entre outros motivos, explica Henrique Grossi.
Em notícia veiculada no Dom Total, julgadores da Primeira Turma do TRT-MG reformaram sentença de piso para reconhecer a relação de emprego entre um motoboy entregador e a empresa iFood.com Agência de Restaurantes Online S.A., na chamada "uberização das relações de emprego", foram provados os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT.
Conforme afirma o escritório Junqueira de Carvalho & Murguel, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ainda não decidiu o tema para os entregadores, mas já se mostrou favorável às empresas de apps de transporte, em um processo envolvendo motorista (Processo: RR-1000123.89.2017.5.02.0038).
Não há, ainda, respostas para essas indagações. Há interrogações. Exclamações. Longe do ponto final.